OS GATOS DEIXAM PEGADAS NO NOSSO CORAÇÃO

     home

O Sr. Zé, a Rabuda e as Caninas

 

No largo da capela de uma aldeia saloia perto do mar, vive o Sr. Zé.

Sob o alpendre da sua casa, há uma mesa e dois bancos de madeira e, debaixo da mesa, vários caixotinhos com velhas almofadas.

Quem passar por ali, para ir à missa ou à praia, assiste a um espectáculo algo insólito e comovente: várias gatas siamesas, de uma beleza inimaginável, comem, apanham sol nos bancos ou dormem tranquilamente nos caixotes instalados em sua intenção.

No dia da captura da última gatinha a esterilizar, uma beldade arisca e que não tencionava entrar na armadilha, o Sr. Zé estava nervoso. Instalámos a casinha de captura e ele decidiu recolher-se dentro de casa, espreitando discretamente, depois de ter chamado a vítima:

- Canina, canina, anda, é para teu bem!

Quando "a canina" entrou finalmente, o Sr. Zé saiu de casa e exclamou:

- Ah! mulher do diabo (dirigindo-se a mim, não à gatinha)!

Isto, frente à capela, podia soar a heresia, mas não era. O Sr. Zé viu-se a braços com dezenas de gatinhos que, para seu desespero, morriam de coriza sem sequer terem tempo de crescer. Por isso, a captura e esterilização para ele eram uma benção e a sorte das suas "caninas", 11 gatinhas num harém que tem por único macho o Xico, belo tigrado que "joga fora do baralho".

No dia de Natal, fui como todos os dias visitar o Sr. Zé:

- Sr. Zé, hoje é dia de festa, tem cá a família.

- Ora, fico contente, claro, mas ainda não vi as caninas, têm medo... tomara já que as festas acabem!

A Rabuda, como lhe chama ternamente, é a sua preferida. Linda de morrer, meiga, sedutora, com um rabinho curto que bamboleia provocante quando ouve o seu nome ou se apercebe que o amigo está encostado ao muro a fumar um cigarro. É o momento das doces e discretas carícias do olhar, e a Rabuda, com as companheiras Caninas, deitam-se junto a ele e ali ficam, sonhadoras, como se no mundo apenas existisse o sol, o muro, o Sr. Zé e elas.

Depois, vem o Xico:

- Vá Xico, anda p'rá qui, não tenhas medo! Já foste comer?

Comer é sobre a mesa do alpendre, onde a ração não falta.

Às 7 da manhã, o Sr. Zé abre a porta de casa e é acolhido pelo mais belo séquito de mulheres com que alguma vez sonhou: a Rabuda e as Caninas esperam-no para lhe darem os bons-dias e lhe fazerem companhia ao pequeno-almoço.

Quando chove, o Sr. Zé senta-se tristonho dentro de casa, com a porta entreaberta...